15.7.05

NO PIAR VELADO E CURTO


"Em todo o céu se apagou a refulgência do ouro, o esplendor arrogante que se não deixa fitar e quase repele: agora apaziguado e tratável, ele derrama uma doçura, uma pacificação que penetra na alma, a torna também pacífica e doce, e cria esse momento raro em que céu e alma fraternizam e se entendem.

Os arvoredos repousam numa imobilidade de contemplação, que é inteligente. No piar velado e curto dos pássaros, há um recolhimento e consciência de ninho feliz.

Em fila, a boiada volta dos pastos, cansada e farta, e vai ainda beberar ao tanque, onde o gotejar da água sob a cruz é mais preguiçoso.

Toca o sino a Avé-Marias. Em todos os casais se está murmurando o nome de Nosso Senhor.

Um carro retardado, pesado de mato, geme pela sombra da azinhaga.

E tudo é tão calmo e simples e terno, minha madrinha, que, em qualquer banco de pedra em que me sente, fico enlevado, sentindo a penetrante bondade das coisas, e tão em harmonia com ela, que não há nesta alma, toda incrustada das lamas do mundo, pensamento que não pudesse contar a um santo..."



eça de queirós


bv

1 Comments:

At 3:11 da manhã, Anonymous Anónimo said...

lindo. fabuloso naco d´eça.

pedro reis

 

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