"FRENTE POPULAR" JURÁSSICA
Uma candidatura fora do prazo
"Uma candidatura presidencial de Mário Soares?
"Seria uma loucura (...) uma coisa sem sentido. Nem numa situação-limite (...). A vida política tem de se renovar e não pode estar sempre ligada às mesmas pessoas."
Estas não são palavras de um cavaquista encolerizado com o pré-anúncio de candidatura do ex-presidente da República, mas sim frases do próprio Mário Soares, em entrevista dada à RTP há apenas... dois meses !
Dir-se-á que o status de "Pai da III República", o interesse dos media por um "duelo de gigantes" e o valor irrisório que a seriedade tem hoje em Portugal absolvem Soares das incoerências que o fazem desdizer hoje o que dissera apenas ontem.
Mas, mesmo que as contradições de Soares sejam vistas com indulgência, atenta a sua idade e estatuto, já não será possível exigir que os eleitores renunciem ao confronto das justificações apresentadas para a sua pré-candidatura com as ideias de fundo que o mesmo tem defendido nos últimos anos.
De acordo com o próprio Soares e a sua gente, a candidatura justificar-se-ia na base de quatro razões, as quais consistiriam na necessidade de colmatar um vazio de candidatos à esquerda; de encabeçar um projecto que una os portugueses; de encontrar alguém com prestígio que represente o País; e de dar às instituições estabilidade e segurança em tempo de crise.
A razão da lacuna de candidaturas à esquerda não convence.
Enquanto Alegre hesitou candidatar-se, Soares deu-se ao luxo de o apoiar explicitamente. Todavia, mal pressentiu que o mesmo iria avançar, Soares antecipou-se e assumiu-se como pré-candidato. Se o ex-presidente faz isto a quem qualifica de "amigo fraterno nas boas e más horas", o que não fará aos seus adversários...!
Quanto à segunda razão, não se vê como alguém que ainda há cerca de meio ano teceu um panegírico ao programa do Bloco e defendeu um entendimento do PS, PCP e bloquistas para as legislativas e presidenciais, pode ter a pretensão de "unir os portugueses".
Muito pelo contrário, se Soares avançar contra Cavaco, fá-lo-á surfando uma "frente popular" jurássica e radicalizada à esquerda, potenciando a maior divisão de sempre entre o eleitorado, a qual deixará sequelas que lembrarão as do PREC.
Quanto ao argumento do candidato prestigiado para representar o País no exterior, ele parte da falsa premissa de que a conjuntura internacional do século XXI é a mesma do final do XX.
É que o mundo que antes admirava Soares deixou de existir. Muitos dos contemporâneos da Internacional Socialista estão mortos (caso de Mitterrand, Palme, Brandt ou Kreisky) ou reformados (como Schmidt e González).
Como poderá Mário Soares, no tempo presente, galvanizar a lusofonia quando é detestado em Angola?
Como poderá seduzir a presidência inglesa da União Europeia, após as suas espantosas declarações sobre os atentados de Londres e em face da afirmação de que a "terceira via" está num "armazém de velharias"?
E como poderá defender os interesses nacionais junto dos EUA depois das suas propostas de negociação com a Al-Qaeda?
Ao invés de constituir uma solução, Soares seria, no plano internacional, um problema, com reflexos críticos na atracção de investimento do mundo anglo-americano.
Resta o argumento da estabilidade institucional. Já num escrito de 1997 publicado em obra jurídica italiana, mencionámos que a tentação do reforço da componente presidencial do semipresidencialismo português apenas ocorreria num cenário caracterizado por "um Governo, uma maioria e um Presidente", no qual o chefe do Estado fosse o "líder histórico" ou "natural" da maioria no poder, tendo citado o exemplo de Soares.
Ora, o segundo mandato de Soares revelou que este, mais do que um Estadista, se perfila como um formidável e compulsivo desestabilizador.
Depois de há menos de um ano ter classificado, injustamente, o actual primeiro-ministro como um "neo-revisionista", uma "figura menor" e o que haveria de "menos feliz na herança guterrista", será pouco crível que uma inversão de discurso convença que mudou de opinião.
Soares presidente seria, assim, o mais temível adversário do Governo e não sossegaria enquanto não erodisse a "terceira via", substituindo-a pela velha esquerda do círculo de confiança."
C. Blanco de Morais
(Dn-2.8)
brventana
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