O ESTAFERMO
"O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber porque.
Era um estafermo austero, pesado, de voz possante.Ninguém sabia bem o que aquilo queria.
Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda.
Corriam as mais desvairadas opiniões.
Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente, que no Chiado afirmava-se ser um personagem da história romana – empalhado!
Ninguém se aproximava dela, no meio da imensa impressão que causava aos moços de fretes.
Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau.
Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava.
Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.
- Senhor – disseram, espalhou-se por aí que vindes restaurar o país. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc.
Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?
- Economias! – disse com voz potente o partido reformista.Espanto geral.
- Bem! E em moral?
- Economias! – bradou.
- Viva! E em educação?
- Economias! – roncou.
- Safa! E nas questões de trabalho?
- Economias! – mugiu.
- Apre! E em questões de jurisprudência?
- Economias! – rugiu.-
Santo deus! E em questões de literatura, de arte?
- Economias! – uivou.
Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências.
Perguntaram-lhe:
- Que horas são?
- Economias! – rouquejou.
Todo o mundo tinha os cabelos em pé.
/.../Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias.
Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender.
O partido reformista é o papagaio do constitucionalismo."
Eça de Queirós
bvtana
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home