1.9.05

A ACIDENTAL PRAIA LUSITANA






" A propósito do livro de Rui Mateus sobre o candidato Mário Soares

Alvo de enorme celeuma quando saiu à estampa (tendo mesmo visto a sua edição “misteriosamente” desaparecida), Contos Proibidos alia um tom de vendetta em relação a Mário Soares a preciosos documentos comprovativos do envolvimento internacional, na década posterior ao 25 de Abril.Nesta dupla dimensão entre EUA, de um lado, e Europa, do outro, uma conclusão pode ser retirada desde logo: o interesse e participação norte-americana em Portugal motivaram um acelerar do envolvimento europeu, particularmente em países como a Suécia, Itália, Grã-Bretanha, França, Alemanha Federal, Noruega, Áustria ou Espanha. E aqui o PS tem enorme importância porque soube capitalizar as motivações de ambos os lados, fazendo pesar a balança deste “duelo” para o lado norte-americano, reforçando a sua posição política no espaço partidário nacional. Pouco tempo depois, este processo teria implicações, também, nos processos democráticos da América Latina, para os quais muito contribuíram os interlocutores ibéricos, nas figuras de Felipe González e Mário Soares.

Outro dos aspectos interessantes deste livro é o traço contraditório da personalidade de Mário Soares. De duas faces marcadas, uma afável, solidária e generosa e outra arrogante, egocêntrica e autoritária, o líder socialista é o alvo preferencial dos ataques de Mateus, bem como de outros intervenientes da história do PS.

Soares é descrito como alguém que “tinha uma poderosa rede de influências sobre o aparelho de Estado através da colocação de amigos fiéis em postos-chave, escolhidos não tanto pela competência mas porque podem permitir a Soares controlar aquilo que ele, efectivamente, nunca descentralizará – o poder”. Quanto a isto, os factos não mentem: sabendo de antemão que, numa altura em que as finanças de um PS a dar os primeiros passos estavam depauperadas, Soares percebeu que, controlando os fluxos de dinheiro, automaticamente faria um partido à sua imagem. Para tal, colocou à frente das finanças um cunhado e montou uma “teia” familiar e de incondicionais “soaristas”, não se coibindo, porém, de os ir deixando cair, se assim se justificasse.

Revelações politicamente incorrectas sobre os chamados “pais da democracia” em Portugal têm os seus inconvenientes. As triviais lutas pelo poder quer no interior dos partidos, quer na condução dos negócios do Estado são reflexo de constrangimentos que muitas vezes resvalam para o despique entre egos e personalidades inconciliáveis. Rui Mateus e outros que o digam. No entanto, referir o nome de Mário Soares em processos pouco transparentes parece, ainda hoje, um sacrilégio lesa-pátria.

Mais: falar sobre o ex-presidente da República requer cuidados acrescidos em relação a outros intervenientes da construção do regime democrático. Uma espécie de surdina composta por revelações que passam de boca em boca e que, de forma alguma, podem instigar a descobertas de outro calibre.Coincidência do destino, muitos dos líderes políticos europeus, que estiveram na ribalta nas décadas de 1970 e 1980, foram alvo de processos judiciais (Bettino Craxi), acusações de espionagem (Willy Brandt) ou mesmo assassinados (Olof Palme).

Todos pertenceram à poderosa Internacional Socialista (IS), uma espécie de irmandade (embora as amizades na política sejam relativas) que se revelaria frutífera para o PS português, numa altura de crise e aperto financeiro. Como alguém já disse, pela IS alcançavam-se objectivos mais facilmente do que, por vezes, pela diplomacia do Estado português. Uma expressão conclusiva e reveladora da acção política, quando convergem interesses internos e internacionais em cenários de transição política, mais ou menos conflituosos.
posted by PPM at 17:09"
(in acidental)




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