20.9.05

O ESTAFERMO



"O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber porque.

Era um estafermo austero, pesado, de voz possante.Ninguém sabia bem o que aquilo queria.

Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda.

Corriam as mais desvairadas opiniões.

Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente, que no Chiado afirmava-se ser um personagem da história romana – empalhado!

Ninguém se aproximava dela, no meio da imensa impressão que causava aos moços de fretes.

Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau.

Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava.

Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.

- Senhor – disseram, espalhou-se por aí que vindes restaurar o país. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc.

Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?

- Economias! – disse com voz potente o partido reformista.Espanto geral.

- Bem! E em moral?

- Economias! – bradou.

- Viva! E em educação?

- Economias! – roncou.

- Safa! E nas questões de trabalho?

- Economias! – mugiu.

- Apre! E em questões de jurisprudência?

- Economias! – rugiu.-

Santo deus! E em questões de literatura, de arte?

- Economias! – uivou.

Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências.

Perguntaram-lhe:

- Que horas são?

- Economias! – rouquejou.

Todo o mundo tinha os cabelos em pé.

/.../Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias.

Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender.

O partido reformista é o papagaio do constitucionalismo."





Eça de Queirós





bvtana