16.4.07

Da poeira dos instantes



«(...) Na sua origem, o curso do tempo
é a distinção entre o que se quer, entre o que se deseja e o que se
possui. Reduz-se, assim, à intenção seguida por um sentimento.
Não se sente, senão, por instantes. O sentimento do tempo, a
duração, não é homogénea. É feita da poeira de instantes. Deve-se
a um grupo de instantes que ficam rigidamente ligados pela
perspectiva. Pelo traçado da memória humana. O sentimento do
tempo, de duração, é o da ordem das lembranças. A sua
representação deve-se a uma arte: a memória.
É à nossa consciência que cabe tecer uma teia, urdir uma
trama com instantes. E com ambas, fabricar o tecido que nos dá a
sensação continuada de ser. De existir. É este tecido que sustenta
o leito do tempo.
Nele vogamos com a rapidez do devir. Com ideia e acção não
descobrimos o que é quietude. Com ideia e acção não
descobriremos, alguma vez, o que é o silêncio.
Por isso, talvez não haja tempo fora dos desejos e das
lembranças. Talvez não haja tempo fora das imagens que se
sobrepõem aos objectos que as invocam. Talvez seja esta
sincronicidade, esta coincidência, que constrói a aparência do
tempo e do espaço.
O sentimento do tempo, a espera e o desespero, nascem da
nossa perspectiva. Talvez, um dia, possamos saber a operação, o
modo, para distinguir planos neste novo tipo de espaço: o tempo.
Queremos ver, hoje, nesse operador o mecanismo que faz
passar do sentimento do tempo para a ideia de tempo. Queremos
atribuir-lhe a capacidade de estabelecer a duração real. Inventámos
o relógio. O símbolo que representa o tempo no espaço. É pela
posição no espaço dos ponteiros que dizemos estar a medir o
tempo real. (...)»


F. Carvalho Rodrigues
(Equação)



crisdovale