Pedro Santerna Lusitano
«Aqui, não riscas! É dito com uma voz tronitoante. É uma mensagem enviada com uma cara de quase desdém. Quem não pode riscar ainda não faz parte do grupo. Precisa de ser iniciado. Depois, correndo tudo bem, vai juntar-se aos que podem riscar. Isto é: passa a fazer parte daqueles que contam. É assim hoje. É assim desde que há marinheiros. No navio, os mais novos não tinham direito a riscar. Ou seja, não lhes era permitido marcar no navio, o lugar que era deles fazendo os riscos de partição da zona do navio que lhes cabia numa viagem. Não riscavam. E muito menos podiam, alguma vez, pisar o risco.
Após algumas viagens, na altura, vários anos, sem pisar o risco e sem direito a riscar passava-se, um dia, a poder dizer quais as fronteiras virtuais do domínio onde vinham descansar, riscando as tábuas do navio.
Os noviços não riscavam, mas passavam por grandes riscos. É verdade, foi no mar que nasceu a noção de risco. A teoria do risco é a origem e a fonte do cálculo de probabilidades.
Como quase todas as ciências evoluiu a partir de conceitos formulados na vida de todos os dias. O génio humano revela-se quando alguém consegue sintetizar o problema. Entendê-lo e pô-lo “urbi et orbi” de uma vez por todas, para que gerações atrás de gerações lhe dêem a resposta que o seu tempo for capaz de dar.
Ora faz quatrocentos e cinquenta anos que um português redigiu e publicou, pela primeira vez, as questões que ainda hoje perseguimos com a teoria do acaso e das probabilidades e que ainda hoje tantas questões nos põe quando lidamos com os problemas dos seguros.
Ele assinava-se, no livro, como Petro Santerna Lusitano. Ou seja Pedro, Português, com certeza. De Santarém, obviamente. O livro intitula-se “Tractatus de Assecurationibus et Sponsionibus”. Pedro de Santarém era, claro está, jurisconsulto.
Mas, foi ele que há quatrocentos e cinquenta anos pediu a quem pudesse que lhe resolvesse as questões de risco. A teoria do risco evoluiu, entretanto, com o cálculo do acaso e da probabilidade. Mas, as questões essenciais colocadas há quatro séculos e meio ainda não foram cabalmente respondidas. Por exemplo, Pedro Santarém pergunta-se no livro publicado em Florença em 1552: Algumas vezes a palavra “risco” compreenderá o caso fortuito? O acaso é parte do risco? A palavra risco, empregada em absoluto sobre coisas transportadas por mar, compreende o caso de tempestade adversa? Causa e ocasião são, sempre, coisas diferentes?
Há, hoje, alguma matemática sobre estas questões. Há, mesmo, a cultura de uma vida sem riscos. Pelo menos com riscos que alguém assume por nós.
Ou, ainda mais fantástico: pensamos que a sociedade pode ficar com os riscos e nós com o dia a dia. Mas, resposta, uma resposta, ainda não há.
Se não acredita lembre-se dos seus contratos de seguro. É da má língua geral dizer que dos Seguros a resposta que quase sempre vem, mesmo com um seguro contra todos os riscos, é: você, aqui, não risca! No entanto, Pedro de Santarém, o Português, riscou, há quatrocentos e cinquenta anos, uma região nova para a viagem do conhecimento humano.»
F.Carvalho Rodrigues, in «Convoquem a Alma»
crisdovale
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