8.6.07

Trufas e ideias gerais

"Nas tardes em que havia «banquete de Platão» (que assim denominávamos essas festas de trufas e ideias gerais)..."
Eça de Queirós


E a cada talher correspondiam seis garfos, todos de feitios dissemelhantes e astuciosos — um para as ostras, outro para o peixe, outro para as carnes, outro para os legumes, outro para a fruta, outro para o queijo.

Os copos, pela diversidade dos contornos e das cores, faziam, sobre a toalha mais reluzente que esmalte, como ramalhetes silvestres espalhados por cima de neve.

Mas Jacinto e os seus filósofos, lembrando o que o experiente Salomão ensina sobre as ruínas e amarguras do vinho, bebiam apenas em três gotas de água uma gota de bordéus Chateaubriand, 1860.

Assim o recomendam Hesíodo no seu Nereu, Díocles nas suas Abelhas.

E de águas havia sempre no Jasmineiro um luxo redundante — águas geladas, águas carbonatadas, águas esterilizadas, águas gasosas, águas de sais, águas minerais, outras ainda, em garrafas sérias, com tratados terapêuticos impressos no rótulo...

O cozinheiro, mestre Sardão, era daqueles que Anaxágoras equiparava dos Retóricos, aos Oradores, a todos os que sabem a arte divina de «temperar e servir a Ideia»: e em Síbaris, cidade do Viver Excelente, os magistrados teriam votado a mestre Sardão, pelas festas de Juno Lacínia, a coroa de folhas de ouro e a túnica milésia que se devia aos benfeitores cívicos.

A sua sopa de alcachofras e ovas de carpa; os seus filetes de veado macerados em velho madeira com puré de nozes; as suas amoras geladas em éter, outros acepipes ainda, numerosos e profundos (e os únicos que tolerava o meu Jacinto), eram obras de um artista, superior pela abundância das ideias novas — e juntavam sempre a raridade do sabor à magnificência da forma.

Tal prato desse mestre incomparável parecia, pela ornamentação, pela graça Dorida dos lavores, pelo arranjo dos coloridos frescos e cantantes, uma jóia esmaltada do cinzel de Cellini ou Meurice.

Quantas tardes eu desejei fotografar aquelas composições de excelente fantasia, antes que o trinchante as retalhasse!

E esta superfinidade do comer condizia deliciosamente com a do servir.

Por sobre um tapete, mais fofo e mole que o musgo da floresta da Brocelanda, deslizavam, como sombras fardadas de branco, cinco criados e um pajem preto, à maneira vistosa do século XVIII.
As travessas (de prata) subiam da cozinha e da copa por dois ascensores, um para as iguarias quentes, forrado de tubos onde a água fervia; outro, mais lento, para as iguarias frias, forrado de zinco, amónia e sal, e ambos escondidos por flores tão densas e viçosas, que era como se até a sopa saísse fumegando dos românticos jardins de Armida.


Eça de Queirós


bvta

1 Comments:

At 2:15 da tarde, Anonymous Anónimo said...

De "uma ideia geral genial" :

«O director-geral dos Impostos escreveu aos condutores donos de automóveis alertando-os para o facto de, a partir de 1 de Janeiro de 2008, todas as viaturas, “independentemente do uso ou fruição”, terem de pagar Imposto Municipal sobre Veículos (vulgarmente conhecido como selo do carro)».

Esta gente precisa - e é urgente - de apanhar um grande susto, um grande susto ...

 

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