22.11.04

O ENREDO DEITA AS MÃOZINHAS DE FORA

“Um orangotango que na Politécnica dava pelo nome de José Júlio, exemplar raríssimo de cleptómano, ou macaco larápio, mau grado as bestialidades da casta, não era isento de uma tal ou qual sensiblerie. Duma vez tocaram-lhe a Sonânbula. Pôs-se a mexer as orelhas nos duos d´amor.”
F. de Almeida



Em meados do século XIX, o senhor Conde do Farrobo, com o seu aplomb de mecenas, deu aos lisboetas da alta inesquecíveis espectáculos, no teatro do seu palácio, às Laranjeiras.
Depois, com fumos de mistério, o teatro foi pasto de ciumentas labaredas e os ecos dos trechos de ópera italiana e dos arremedos de vaudeville perderam-se para sempre na memória dos belíssimos jardins.

Para sempre?
Não.
Eis que voltam, folgazões, os arremedos de vaudeville!

Subiu de facto à cena, por este Novembro soalheiro, a peça “O Cerne da Ciência é o Acerto”, pela conhecida companhia “Por aí é que turbina o moinho”, servindo de compère o Secretário de Estado da Inovação.

A peça, linha eroto-processual, parece enterrar de vez a tendência de puritanismo teatral, que tentou, em balde, vingar nos últimos tempos.

O êxito, hélas, foi desbotado.

É certo que a casa encheu (a comunidade sorve o vaudeville), mas dos artistas que fizeram história, todos convidados para ataviar as frisas, só figurou o mandarim.
E parece que foi vista rapaziada da Siemens SA Portugal, o que deu ao evento uma certa calînerie.

Mas a coisa não teve assopro.

A plateia apenas se ouriçou ao anúncio, pelo compère, que o mandarim, autor “bem conhecido do povo”, ainda segundo o compère, vai finalmente ter um estúdio condigno para ensaiar as suas peças.

A isto, o público, felizão, deliciou-se. Pois que, assim, de uma forma bem bonita, o desventurado autor (vd. Maroteiras na Aldeia – 18.06.04) vê chegar ao fim o seu calvário.

Razão tinha ele, ao arrebitar-se em Agosto (vd. Veio um Ataque Lá de Fora! Chamem o CLA! – 1.9.04)

À saída, boquejava um espectador, já batido neste género de espectáculos, para um outro menos batido:
“Vês que final sempre se amanhou uma casinha para ele.”

O outro, o menos batido: “Pois amanhou, vê lá tu. Até parece que nesta área dos teatros já estamos no XVII”

“Ah, Ah, Ah “, chalacearam os dois à uma.

Mas, como se disse, foi desbotado o evento. Pois, se nem no “Público” a artigoleira Firmino, saída dos noticiários dos fogos e partes de polícia, sempre tão atenta às coisinhas do teatro, deu sinal…


Lourençobravo