3.12.04

PASTORAL

(obrigado, Augusto Gil)


Saíra Flã António de S. Bento,
Com o nome arrastado pela lama
E a remoer no tom beato e lento
O chato sermão, por que o pântano chama.

Andando, andando sempre, repetia
O intrujo sermão, meloso e brando,
E nem reparou que a tarde esmorecia
Que vinha a noite, plácida baixando…

E andando, andando, viu-se sem ninguém.
Ao lado, só árvores e casas espalhadas.
Mas já estava distante de Belém
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido pela cabecinha vã
E fraco, por tanto haver marchado,
Com a solidez de um pudim flã
Sentou-se a descansar, o desavergonhado.

O luar. O luar claríssimo nasceu.
E num raio dessa linda claridade
Sampaio a Assembleia dissolveu
E o biltre viu segunda oportunidade.

Perto, uma bica de água murmurante,
Juntava o seu murmúrio aos dos pinhais,
Era ele, o infante,
Sócrates: o animal feroz de que vos lembrais.

Aos pulinhos o feroz vinha,
Do ginásio, todo satisfeito
Nunca, daquela cabecinha,
Tinha saído ideia de jeito.

Com força, para que toda a gente visse,
Abraçaram-se. Testemunhas, o país e Deus.
O Sócrates, olhando fundo disse:
Oh, Flã, dá-me um ministro dos teus!

O Flã, erguendo a manga da fatiota
Para tapar a miséria passada,
Mentiu numa voz, doce e idiota:
Não sei que fosse…Eu cá nunca presidi a nada.

E voltando-lhe a carinha contra a luz,
E para aquele amor ainda sem casamento
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: Jesus!...
Era tão bom…e os dois olharam para S. Bento…


Venâncio