31.1.05

SANTANA CONTRA MUNDIS

Por VASCO PULIDO VALENTE
in "Público", Domingo, 30 de Janeiro de 2005

A campanha de Santana Lopes começa a merecer algum interesse pela sua
própria extravagância. Como trata dele, e só dele, acabou por se tornar num
romance de aeroporto sobre a loucura e queda de um político. Espero que
alguém o escreva ou, pelo menos, que a "Oficina do Livro" o encomende. A
personagem intriga e a história da ambição falhada foi sempre um tema
literário popular. Além disso, Santana passou por tudo: pelo partido, pelo
governo, pelos jornais, pela televisão, pelo futebol e até, ou
principalmente, pela chamada "noite de Lisboa". O melodrama e a
"modernidade" estão lá, basta aproveitar; e, ainda por cima, ele não se
esqueceu de fornecer um fim digno do seu princípio. Não sai com um suspiro,
sai com um estrondo. Não deixa de ser admirável, pelo puro espectáculo, a
fúria e a cegueira com que tenta salvar a sua amada pessoa. O país
desapareceu e o PSD também. Ficou ele. A realidade excede a ficção. Quem se
lembraria de um cartaz como o do "Contra Ventos e Marés"? Parece o desafio
de Rastignac: "E, agora, Paris, nós dois". Portugal não entra ali, é Santana
contra mundis, mais nada.

Claro que, neste romance, o inimigo, omnipresente e perverso, persegue o
herói sem culpa, porque obrigatoriamente Santana tem de triunfar da
injustiça, da traição, da indiferença, da manha e, em geral, da maldade
humana. Mas não sem luta, não sem provar primeiro a sua força e a sua razão.
A Sampaio, que o tramou. Aos companheiros, que o traíram. Aos rivais, que o
esfaquearam. Ao CDS, que o despreza. À "mega-fraude" das sondagens que o dão
por acabado. E à imprensa, que "não o leva ao colo". No fundo, ao destino. A
glória virá, depois do martírio, do incorrupto povo do PPD/PSD. Não porque
esse povo descubra de repente qualquer vantagem em o eleger. De certa
maneira, Santana já largou a política e, politicamente, a sua campanha não
faz sentido. O que interessa no romance é o reconhecimento, na última cena
do último capítulo, da íntima natureza do herói e o perdão dos seus pecados;
o reencontro do PPD/PSD com o seu filho querido. Quer aconteça ou não, na
noite de 20 de Fevereiro, e com certeza que não acontece, esta apoteose deve
fechar a carreira sentimental, imensamente pública, de Santana Lopes. O
menor vestígio de pudor e bom senso seria absurdo.