29.5.05

ECRÃ VIRTUAL

"Madame Maigret dizia de vez em quando umas palavrinhas pour meubler le silence."
Georges Simenon




"Salvo milagre de última hora, os franceses preparam-se para rejeitar hoje - e em breve os holandeses - o tratado constitucional europeu. Mas a verdade é que o tratado pesará quase nada nessa decisão. Apenas uma percentagem ínfima dos eleitores se terá debruçado sobre o texto, aliás maçudo e labiríntico, que deveria substituir e fundir os anteriores tratados comunitários. Como tem acontecido geralmente nas eleições e referendos europeus, o que está em jogo são sobretudo questões de política interna - e, especialmente neste caso, medos, frustrações e fantasmas nacionais que se projectam num ecrã virtual de ameaças exteriores. A tentação isolacionista aparece assim como resposta ilusória aos desafios que cada país não se mostra capaz de superar a França e o declínio económico; a Holanda e o espectro da imigração muçulmana. Não é por acaso que a eventualidade da adesão da Turquia ocupa o centro da batalha sobre um tratado que nada tem a ver com essa questão. A Europa não é o problema, mas o álibi. Ou antes o problema da Europa é ter-se reduzido a um álibi. Como lembrava recentemente Habermas, num artigo em defesa do tratado, está ainda por construir um espaço público europeu e é por isso que as discussões e decisões relativas à Europa se restringem aos espaços públicos nacionais. A Europa alargou-se sem, antes, se ter aprofundado e criado alicerces sólidos para o alargamento. A ilusão de caminhar em frente, com a chegada de novos países, só acentuou a falta de coesão e a disfuncionalidade europeias.

(...)"
(v.jorge silva - Dn 29.5)


bv