ELE HÁ MUITAS QUESTÕES
“Muitas vezes, segundo me contou o Conde, durante os meses de Estio em que a política, refugiada na sombra das quintas ou na frescura das praias, dormita, o redactor da Bandeira, sem assunto para o seu artigo de fundo, recorria ao génio do Conselheiro, como um pobre envergonhado. Gama Torres, porém, colocando-se no meio da casa, as pernas afastadas, o ventre saliente, as mãos atrás das costas, fitava o soalho e.23 bamboleando o crânio fecundo, murmurava surdamente:
– Ele há muitas questões!... Há questões terríveis. Há a prostituição... o pauperismo... Ele há muitas questões...
Mas, repito-o, era um avaro intelectual que não gostava de fazer a esmola de uma ideia. Não o censuro, pois é sabido que ele dava todo o seu tempo e todo o seu génio às grandes questões sociais. Elas preocupavam-no tanto que era usual – sempre que diante dele se falava de assuntos políticos – ouvi-lo murmurar soturnamente:
– Ele há muitas questões! Questões terríveis: o pauperismo, a prostituição! São grandes questões! Questões terríveis!
E pareciam com efeito terríveis essas questões, de uma tenebrosidade de abismo, quando se via o olhar esgazeado com que ele parecia contemplá-las mentalmente."
eça de queirós
bvt
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