25.8.05

ESTOUVAMENTO DELICIOSO


“A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que lêem:conta mil coisas sem sistema, sem nexo: espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade: fala das festas, dos bailes, dos teatros, das modas, dos enfeites: fala em tudo baixinho, como se faz ao serão ao brazeiro, ou ainda de verão, no campo, quando o ar está triste: ela sabe anedotas, segredos, histórias de amores, crimes terríveis: espreita, porque não lhe fica mal espreitar.

Olha para tudo, umas vezes, melancolicamente, como faz a lua, outras vezes, alegre e robustamente, como faz o sol:a crónica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz da China: ela conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do resto do jornal; está aqui, nas suas colunas, cantando, rindo, palrando; não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico: tem uma pequena voz serena, leve, clara com que conta aos amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.”


Eça de Queirós




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