14.10.05

CORRIAM AS MAIS DESVAIRADAS OPINIÕES

"O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber porque.

Era um estafermo austero, pesado, de voz possante.Ninguém sabia bem o que aquilo queria.

Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda.

Corriam as mais desvairadas opiniões.

Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente, que no Chiado afirmava-se ser um personagem da história romana – empalhado!

Ninguém se aproximava dela, no meio da imensa impressão que causava aos moços de fretes.

Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau.

Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava.

Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.

- Senhor – disseram, espalhou-se por aí que vindes restaurar o país. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc.

Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?

- Economias! – disse com voz potente o partido reformista.Espanto geral.

- Bem! E em moral?

- Economias! – bradou.

- Viva! E em educação?

- Economias! – roncou.

- Safa! E nas questões de trabalho?

- Economias! – mugiu.

- Apre! E em questões de jurisprudência?

- Economias! – rugiu.-

Santo deus! E em questões de literatura, de arte?

- Economias! – uivou.

Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências.

Perguntaram-lhe:

- Que horas são?

- Economias! – rouquejou.

Todo o mundo tinha os cabelos em pé.

/.../Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias.

Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender.

O partido reformista é o papagaio do constitucionalismo."



Eça de Queirós





bvtana