18.10.05

O CÉU DISTANTE DO MUNDO DOS VIVOS

"(...)

Que país real? O da glória ou o da penúria?

Para o poder naturalmente o da glória: o país do progresso político ou económico.

Para a oposição, para os intelectuais urbanos, e, em geral, para as classes médias, que o comparavam à França ou à Inglaterra, o país da penúria.

Mas, por ironia, em todos os regimes e sob todos os governos, o país legal, do Estado e dos seus propagandistas oficiais, conseguiu impor ao pais real do campo e da indiferença cívica, o mito da glória contra a evidência da penúria.

Glória oculta, ou efémera, ou iminente.

Glória do passado prestes a consumar-se no futuro.

E, dia a dia, ano a ano, século a século, a nação, persuadida da sua íntima grandeza, esperou o taumaturgo que a fizesse ressuscitar num sublime esplendor.

E taumaturgos não lhe faltaram: Pombal, Linhares, Fernandes Tomás, D. Miguel, D.Pedro, Costa Cabral, Fontes, João Franco, D. Carlos, Afonso Costa, Sidónio Paes, Salazar, Sá Carneiro e Cavaco.

Mas depois de infinitas regenerações, revoluções e reformas o Lázaro olha ainda, com inveja ou resignação, cepticismo ou confiança, o céu distante do mundo dos vivos.

O país real continua a viver da sua irrealidade."




Vasco Pulido Valente
(Divagações sobre o "país real"
- K, Dez. 1991)




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