À UMA
Rubicundo e boleado, com o pináculo da jactância mais exposto pelo amolentar do filtro dos artifícios, que isto do tempo tem os seus cânones, ali estava ele, demasiado elefântico para leão, em todo o caso extraordinário.
Os jornalistas, a venerável distância, entreolhavam-se, medindo a figura intransigente e pesada. Hesitavam, pois sabiam dos repentes rudes a que a criatura era dada e lá para açoites do telhudo é que não estavam virados.
Empurrando-se uns aos outros, lá foram avançando, alguns às arrecuas.
Que diabo, a criatura era um candidato, tinham de lhe sacar umas afirmações, mesmo com risco.
Um deles, mais arrojado, lá se afoitou:
-Senhor, dizem que vem a barrar caminho ao seco algarvio. Não acha que é pouco para restaurar o país? Qual é afinal o princípio de Vossa Senhoria nesta questão?
-Debates! disse como um tiro. Pasmo geral.
- Bem, mas há-de haver um princípio, uma linha de acção, mesmo que em esboço?
- Debates! bradou.
- Mas, mesmo sem esboço, tem de haver qualquer coisa…
- Debates! rugiu.
- Pois sim, mas, por outro lado, temos uma crise económica, e bem séria ao que parece…
- Debates! roncou. O pasmo transformava-se em horror.
- Apre. E a política externa? Aí sim, com certeza…
- Debates! silvou, agudíssimo.
- Santo Deus! Vamos à cultura, que é uma área que Vossa…
- Debates! uivou.
- Mas olhe, parece que há aí um revanchismo de direita, quiçá larvar...
- Debates! flechou.
Em torno havia já terror. Fizeram-se outras experiências.
- Que horas são, se faz favor?
- Debates! ciciou, inumano.
A atmosfera tornada irrespirável, pelinhos da nuca eriçados, os jornalistas fugiram.
À uma.
(sobre um texto de Eça,
guido sarrasa)
2 Comments:
O delirio pelos debates amainou. Alguem deve ter explicado que para fazer figuras daquelas mais vale andar pelas feiras e mercados de peixe.
jm
É pena não haver mais debates para recordar a elegância do candidato
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