13.1.07

Desde a arcada atá ao paraíso


Eu nunca acreditei no Diabo - como nunca acreditei em Deus.

Jamais o disse alto, ou o escrevi nas gazetas, para não descontentar os poderes públicos, encarregados de manter o respeito por tais entidades:

mas que existam estes dois personagens, velhos como a Substância, rivais bonacheirões, fazendo-se mutuamente pirraças amáveis, - um de barbas nevadas e túnica azul, na toilette do antigo Jove, habitando os altos luminosos, entre uma corte mais complicada que a de Luís XIV; e o outro enfarruscado e manhoso, ornado de cornos, vivendo nas chamas inferiores, numa imitação burguesa do pitoresco Plutão - não acredito.

Não, não acredito! Céu e Inferno são concepções sociais para uso da plebe - e eu pertenço à classe média.

Rezo, é verdade, a Nossa Senhora das Dores:

porque, assim como pedi o favor do senhor doutor para passar no meu acto; assim como, para obter os meus vinte mil réis, implorei a benevolência do senhor deputado; igualmente para me subtrair à tísica, à angina, à navalha de ponta, à febre que vem da sarjeta, à casca da laranja escorregadia onde se quebra a perna, a outros males públicos, necessito ter uma protecção extra-humana.

Ou pelo rapapé ou pelo incensador, o homem prudente deve ir fazendo assim uma série de sábias adulações, desde a Arcada até ao Paraíso.

Com um compadre no bairro, e uma comadre mística nas alturas - o destino do bacharel está seguro.


eça de queirós


bvtana