26.4.07

Nau gabada de nova, e forte, e bem marinhada



"……três observações finais. Em primeiro lugar, João Franco pensou a sua actuação referindo-se ao passado e sobretudo à tradição reformista representada pela esquerda liberal. Se alguma coisa o caso de Franco revela, é o peso da tradição liberal sobre a elite política da monarquia.
O liberalismo não era simplesmente um instrumento ideológico, mas uma cultura que envolvia a elite e limitava o que ela podia pensar e executar. Franco conservou-se fiel ao velho projecto liberal de integrar os indivíduos capacitados num estado transparente e aberto, sob o império da lei. O seu ideal político manteve-se o da monarquia liberal, o equivalente dinástico da república conservadora representada pela Terceira República francesa : um regime que preservasse a ordem ao mesmo tempo que, gradual e consensualmente, fosse facilitando o progresso.

Em segundo lugar, as origens do espírito reformista que animava João Franco não estavam na rejeição do liberalismo, mas sobretudo na tentativa de consumar as soluções para que apontava o debate liberal. Politicamente formado na intersecção do radicalismo universitário e da esquerda constitucional com o oportunismo fontista, Franco era, social e culturalmente, um membro da elite liberal, preso às ideias e aos costumes dessa elite. A crise de1890 exaltou a sua ânsia de reformar, tal como crises na´logas em 1868 ou em 1876 haviam entusiasmado outros reformadores. O liberalismo partia de determinados princípios, mas constituiu-se, enquanto regime político, como um debate entre várias alternativas. O reformismo era um efeito desse debate. Era através das reformas, da mudança legal, jurídica, que os liberais pensavam a sua relação com o passado e com o futuro. Franco e os outros chefes políticos do regime tiveram sempre um largo menu de opções, dentro dos termos do debate liberal, com as quais podiam provar a sua vontade de melhorar o País. A este respeito não houve de facto uma ruptura entre o Franco de 1895 e o Fontes de 1885.

Finalmente, a última observação diz respeito ao autoritarismo de Franco. Num País em que 70% da população adulta era analfabeta e perante uma classe média pequena e faccionalizada, a única via para a reforma estava no Governo apoiado pelo rei. Tinha sido sempre esta a via do liberalismo, desde 1834. O reformismo teria sempre de ser “autoritário” neste sentido: o de reforçar o poder do executivo, por via da monarquia, contra a elite política.
Mas este “autoritarismo” foi um autoritarismo liberal que nunca deveria ter sido confundido com o autoritarismo comunista ou fascista do pós-guerra.

Em suma, o franquismo, pelas suas origens, não tem absolutamente nada a ver com os movimentos antiliberais que se desenvolveram na Europa da década de 20."

Rui Ramos



Brunventana