20.3.05

MELODRAMA

O regresso do Zorro
Vasco Pulido Valente


O homem voltou mesmo, com a reprovação universal
e o apoio entusiástico
de Menezes


Pedro Santana Lopes voltou à Câmara de Lisboa, depois de quinze dias de angústia. Parece que parte do problema era estritamente pessoal: Santana estaria, por assim dizer, sem emprego e sem dinheiro e à espera de uma "saída" melhor. A lei devia atribuir uma reforma ao primeiro-ministro, como já faz com o Presidente da República, para evitar que um antigo primeiro-ministro ande por aí aos tombos, como Santana tarde ou cedo andará, envergonhando toda a gente. Sócrates podia, neste ponto, ser generoso e profiláctico. Entretanto, o homem voltou mesmo, com a reprovação universal e o apoio entusiástico de Menezes. Supondo que não tem ilusões sobre o futuro próximo e que não pensa só em sobreviver seis meses no conforto a que se habituou, veio com um plano qualquer na sua obstinada cabeça.
Que plano? Não com certeza o de ganhar segunda vez Lisboa. Até a impermeabilidade de Santana não chega para ignorar a evidência da sua geral rejeição. Ninguém o quer, nem a esmagadora maioria do PSD, que naturalmente lhe atribuiu o desastre de 20 de Fevereiro. Mas, sabendo isto, Santana também sabe que ainda talvez seja capaz de salvar a pele ou, pelo menos, de se aguentar na margem do partido à espera de melhores dias. Como? Armando um melodrama no congresso de Abril, género de proeza em que se especializou e que, de resto, se adapta ao seu peculiar talento. Haverá, pois, no congresso um Santana vítima da traição dos "notáveis", pedindo amor ao fidelíssimo povo PPD e, de caminho, a candidatura a Lisboa. Não para que lha dêem, claro. A ideia é pôr Marques Mendes numa situação incómoda e, com a ajuda de Menezes, mobilizar o populismo e sair com o voto de 20 ou 30 por cento do partido. Por outras palavras, conseguir uma espécie de reabilitação formal e continuar em cena.
O anúncio da morte política de Santana foi, e não foi, um exagero. Foi um exagero se por "morte política" se entender que ele ficou perpetuamente impedido de ter algum papel e alguma influência. Não foi um exagero se por "morte política" se entender que, falhando como primeiro-ministro, da maneira estrondosa como falhou, nunca daqui em diante ele passará de uma personagem secundária, gratuitamente acrescentada ao quadro: um destino que, suspeito, não o horroriza. Um velho comediante gosta, antes de mais nada, da comédia.

(in Público - 20-3-05)