28.7.05

Ponte da Asseca

"Vieram-me estas mui judiciosas reflexões a propósito do capítulo antecedente desta minha obra-prima; e lancei-as aqui para instrução e edificação do leitor benévolo.

Acabei com elas quando chegamos à ponte da Asseca.

Esquecia-me de dizer que daqueles três grandes poetas só um está traduzido em português — o Rotschild não é literal a tradução, agalegou-se e ficou muito suja de erros de imprensa, mas como não há outra...

Ora donde veio esse nome de Asseca? Algures daqui perto deve de haver sítio, lugar ou coisa que o valha, com o nome de Meca; e daí talvez o admirável rifão português que ainda não foi bem examinado como devia ser, e que decerto encerra algum grande ditame de moral primitiva: andou por Seca (Asseca?) e Meca e Olivais de Santarém, Os tais Olivais ficam logo adiante. É uma etimologia como qualquer outra.

A ponte da Asseca corta uma várzea imensa que há de ser um vasto paul de inverno: ainda agora está a dessangrar-se em água por toda a parte.

É notável na história moderna este sítio. Aqui num recontro com os nossos foi Junot gravemente ferido na cara.

Il ne sera plus beau garçon, disse o parlamentário francês que veio depois da ação, tratar, creio eu, de troca de prisioneiros ou de coisa semelhante.

Mas enganou-se o parlamentário; Junot ainda ficou muito guapo e gentil-homem depois disso.

Tenho pena de nunca ter visto o Junot nem o Maneta, as duas primeiras notabilidades que ouvi aclamar com tais e cujos nomes conheci... Engano-me; conheci primeiro o nome de Bonaparte.

E lembra-me muito bem que nunca me persuadi que ele fosse o monstro disforme e horroroso que nos pintavam frades e velhas naquele tempo. Imaginei sempre que, para excitar tantos ódios e malquerenças, era necessário que fosse um bem grande homem.

Desde pequeno que fui jacobino, já se vê: e de pequeno me custou caro. Levei bons puxões de orelhas de meu pai por comprar na feira de S. Lázaro, no Porto, em vez de gaitinhas ou de registos de santos ou das outras bugigangas que os mais rapazes compravam... não imaginam o quê... um retrato de Bonaparte.

Foi enguiço, diria uma senhora do meu conhecimento que acreditou neles, foi enguiço que ainda não se desfez e que toda a vida me tem perseguido."



Almeida Garret



pindaro