24.9.05

MAS JÁ NÃO SÃO PALMAS

"Aquele que não quer passar depois de ter passado, ainda ouvirá palmas, mas já não são palmas, são despedidas e não despedidas com saudades mas com ironias.
Manuel Rodrigues
1938






Logo na largada se percebeu.
Depois, por cada intervenção, por cada “novo apoiante, por cada truque protector da tsf ou quejanda, a percepção de que o enredo era lastimável tornou-se imparável.
Helena Matos, a este propósito, assina o melhor e o mais fundo texto que até agora o tema suscitou.
Com o título “O homem que passou (publico-24.9)


“O homem que passou é aquele que desempenhou a sua missão, que a desempenhou bem ou mal, não importa, e já não pode desempenhar outra nem prosseguir a que assumira. Se é orador, a sua palavra jamais será escutada; (...) se é politico, as multidões não lhe obedecerão; e nunca mais o seu braço será procurado, nem o seu conselho pedido (...).

“ O homem que passou é o homem que já não conta, o homem com quem o tempo não conta por lhe faltar a chama interior do entusiasmo ou o favor da opinião, estas duas energias sem as quais não é possível realizar uma obra ou prosseguir um destino. (...) O que até então fora louvado será diminuído, o que fez de bom será atribuído aos outros, e se lhe mantêm a autoria logo desviam o objectivo; e onde houve o propósito de fazer por bem, logo dirão que fez por mal, onde houve o maior desinteresse, logo lhe assinalarão o maior proveito.

“O homem que passou é como o ano que passa. No momento mesmo em que corta a meta da eternidade, o ano que passou é mal querido e insultado. Começam a insultá-lo aqueles a que não serviu, ainda que não tenha servido com razão; depois os indiferentes; e, atraídos pelo clamor, até aqueles mesmo a que encheu de benemerências.(...) Aquele que não quer passar depois de ter passado, ainda ouvirá palmas, mas já não são palmas, são despedidas e não despedidas com saudades mas com ironias. As palmas são para o tempo, para que seja contente e caminhe mais rápido, para que mais depressa o leve.”

Este texto não foi escrito em 2005. (...) Tem quase sete décadas. Foi publicado no último dia do ano de 1938 na primeira página do jornal O Século. Tendo em conta o tema e as funções do seu autor – Manuel Rodrigues, então ministro da Justiça – imediatamente surgiram boatos e rumores sobre a identidade do “homem que passou”.
(...)
Desta conjuntura entre a perenidade dos nossos vícios políticos e a intrínseca actualidade de um bom texto resulta que um texto redigido em 1938 sobre Salazar se aplica notavelmente em 2005 á candidatura de Mário Soares.
Está lá tudo. As constatações da debandada (...) Está lá também o retrato cruel mas lúcido do drama pessoal do “homem que passou”(...) E sobretudo está lá esse pudor constrangido de quem assiste a esta decadência: “...ainda ouvirá palmas, mas já são palmas, são despedidas e não despedidas com saudades mas com ironias”.
À medida que na manhã de sexta-feira percebia o teor das declarações que Mário Soares fizera na véspera no Brasil... esta frase...tornava-se-me cada vez mais presente. Quase obsessiva!

Deixemo-nos de tretas: independentemente de serem ou não apoiantes de Soares quantos portugueses prefeririam que não tivesse respondido “Fisicamente tenho boas artérias, tenho a próstata em bom estado e não tenho diabetes, portanto tenho uma vida normal”, quando interrogado sobre a influência que a sua idade podia ter nos resultados...?

Nos sorrisos que estas declarações geraram havia mais embaraço que alegria....
“Mário Soares reagiu com bom humor a uma pergunta...” – lê-se num texto que em que a agência Lusa deu conta de tais declarações. Durante quanto tempo mais as noticias sobre deslizes como este serão filtradas e devidamente introduzidas por expressões como “bom humor”?

Os péssimos resultados das sondagens e o caso Alegre são os primeiros sinais do drama. Não tarda que “sugestionados pelo clamor, até aqueles mesmo a que encheu de benemerências” comecem a desertar. Sairão discretamente de cena. Para que uns não lhes dêem pela falta e outros não se apercebam da sua presença. Mas convém que se lhes fixe o nome e o rosto. Em primeiro lugar porque são responsáveis pela promoção de uma candidatura que representa uma perversão da democracia...
Em segundo lugar, fixemos-lhes os nomes porque eles são responsáveis pelo aviltamento pessoal em que esta campanha se arrisca transformar para Mário Soares. É certo que ele se quis ser candidato. É certo que como “o homem que passou”... também foi eliminando as possibilidades de renovação do seu campo político. Mas nada disto seria suficiente para que Soares avançasse.

Agora é tarde. Como lidar com isto? – esta é uma pergunta que não diz apenas respeito aos seus apoiantes. Por amarga ironia, está progressivamente a deixar de ser um candidato a apoiar ou um adversário a combater. Independentemente dos resultados que vier a obter, Mário Soares é o problema desta campanha presidencial. E isso é muito triste.”




cristóvão do vale

15 Comments:

At 5:57 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Extraordinário texto de Manuel Rodrigues, magnífico trabalho de Helena Matos, e acutilância de MinhaRicaCasinha.
Está aqui a essência de "uma história triste".


ricardo castro alves

 
At 6:03 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Soberbo.
Chega a haver contornos "shakespearianos" numa queda deste tamanho.

O que a faz a palcodepedência e um grupo de cortesãos acéfalos.

Adeus dr medeiros ferreira. Vá dar uma grande volta de braço dado com o condeço e com o terrorista aposentado antunes.

E sobretudo não volte!


manuel cardoso lima

 
At 6:20 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A surpresa da qualidade da escrita e do poder de observação de um ministro de Salazar, e já agora do verdadeiro arrojo que revelou, e a satisfação de ver que ainda há quem apanhe a importância das coisas e a saiba "desembrulhar".
Palmas,das verdadeiras, para helena matos, obrigado cristovão do vale.

Albano Chaves

Sintra

 
At 7:26 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Agora é tarde. o espectaculo miseravel dos que se agarram, esfarrapados, à tabua das vaidades incontroláveis vai desenrolar-se em toda a sua tristeza até ao fim...


ca

 
At 7:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Fixe não, fixo! De ideias fixas:Eu, eu, Eu, e mais Eu. O resto que se dane.
Só que desta vez "o resto" é que vai daná-lo.
Para bem da limpeza do ambiente.

rui tomás

 
At 7:31 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não são palmas, são despedidas e sem saudades é MUITO BOM.

a.gh

 
At 8:14 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O quadro triste e cinzento é extraordinariamente pintado por rodrigues, grande escritor, além do mais.
O número só aparenta estar de pé com a ajuda dos filtros: lusa, tsf, dn....


t. a.

 
At 11:56 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Agora com o camarada e amigalhaço Alegre- pessoa mais decente em todo o caso - em jogo vai ver-se o espectaculo indecoroso do rastejar do mario para o manel...
Não é manel maria?

g. fontoura

 
At 12:05 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Fica nos anais de qualquer actividade a tristeza deste exemplo de uma pessoa que não tem a inteligência nem a categoria para "passar".
Sou, todavia, de opinião que é justo um fim destes para esta criatura.

pedro sousa

 
At 1:25 da manhã, Anonymous Anónimo said...

"Como lidar com isto"?
Bela pergunta.
A unica hipótese era a criatura ir ficando lá pelo brasil, que ainda o aturam a debitar inanidades.
pelo menos por um tempo.

carla domingues

 
At 1:47 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Transformou-se não no candidato a apoiar ou a combater mas simplesmente num, melhor, no problema.
Que epitafio tão eloquente!



Carlos Real Gomes

 
At 4:48 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Também considero este surpreendente escrito de manuel rodrigues um dos melhores textos já vistos sobre o drama de não se saber ou de não se ser capaz de sair do palco -


ricardo guerra

 
At 6:27 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Chega-lhes Cristóvão!
LC

 
At 6:30 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Quem se põe à frente de tudo e todos não se importa com cosequencias para o pais ou para o seu partido. O homem está a curtir a sua inimputabilidade e a divertir-se, sendo-lhe para o efeito indiferente ganhar ou perder a eleição.
Ele s´~o quer é holofote apontadinho à sua rotunda pessoa.

v.a.

 
At 7:07 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Bonito, bonito?...perguntem aos transmontanos!
R. Lebre

 

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