4.7.06

Os moínhos de vento


"O passado não só não é fugaz, como não sai do sítio"
Marcel Proust



"Mais que Sevilha, Lisboa deveria ter-se tornado o polo da nova ordem económica: desde Henrique, o Navegador, que aí se demonstrava uma tenacidade extraordinária, necessária aos descobrimentos. Tudo lhe sorria. Os seus mercadores estão em toda a parte. Em 1509, tomam Goa pelas armas, depois Malaca; atingem a China em 1513, Ormuz em 1515. Em Badajoz, em 1524, Portugal pode permitir-se comprar à espanha as Molucas por trezentos e cinquenta mil ducados do seu ouro africano, sem sequer perder tempo a reclamar a aplicação do tratado de Tordesilhas, os mercadores de Lisboa têm pois o monopólio do comércio e da navegação para todos as fontes de especiarias. Depois da abertura parcial da China em 1554, depois do estabelecimento da concessão de Macau em 1557, têm até acesso aos produtos chineses e japoneses.
Mas os portugueses também não dispõem de território consumidor. Além disso, alimentar os os mercados do Norte significa levar lá os produtos. Para tal, faltam a Lisboa vias terrestres para França, para a Alemanha e para a Flandres. A cidade não tem vontade política para resolver o assunto. Em breve os barcos deixam de parar em Lisboa para navegarem mais para o norte, para onde possa fazer-se a distribuição das suas especiarias, Curioso abandono: como se a conquista tivesse esgotado as forças lusitanas; como se, uma vez atingido o objectivo, se renunciasse a tirar dele proveito. A menos que a finalidade fosse a própria conquista...
Sevilha, Lisboa: como se, um século antes do mais genial dos seus escritores, a Peninsula Ibérica desse a saber ao mundo que, para ela, os moínhos de vento eram o único inimigo digno de si."

Jacques Attali
("1492")


crisdovale