"A palavra do chefe não passa além do rio"
«(...) Há alturas em que me chego a perguntar se não estaremos a caminhar para uma situação, onde, qualquer dia, nos teremos de interrogar se quem governa é o Governo ou são os tribunais.
(...) Primeiro, temos essa moda recente do uso e abuso das providências cautelares, a propósito de tudo e mais alguma coisa.
(...) Poderá argumentar-se que isso é um direito que assiste a todos e que cabe depois aos tribunais avaliar a falta de fundamento das pretensões e condenar em custas os litigantes de arribação. Mas o que se tem visto, ao invés, é que em numerosos casos os tribunais dão provimento às providências, desse modo bloqueando as leis ou regras administrativas que o Governo pretende implementar. Ao fazê-lo, em muitos casos, eles já não estão a julgar a legalidade de determinada situação face ao regime jurídico definido pelo Governo, no uso das suas competências próprias: estão antes a julgar da bondade politica das próprias medidas do Governo, escudando-se para tal apenas na opinião pessoal de cada juiz, remetendo para a interpretação de uma Constituição que serve para tudo e mais alguma coisa. O efeito prático que daqui resulta é que determinadas politicas do Governo em funções, algumas das quais revestindo carácter de urgência, podem ficar obstruídas ou adiadas indefenidamente, à espera que um tribunal resolva em definitivo se concorda ou não concorda com a politica do Governo.
Ora, seguramente que não cabe aos tribunais avaliar o mérito das políticas governamentais.
(...)
Noutro domínio, várias decisões judiciais recentes vieram invadir zonas de autonomia alheias, pretendendo, de forma absurda e imponderada, uniformizar juridicamente coisas que são diferentes, sempre à luz de uma interpretação literal e fundamentalista de uma infeliz Constituição que, usada dessa forma, pode tornar tudo ingovernável.
É o caso das já faladas decisões admitindo a nova época de exames a alunos que as regras do ME tinham excluído. Não está em causa saber se as regras são ou não justas e boas: está em causa que, não ofendendo elas direitos fundamentais (ninguém é excluído do ensino ou proibido de ir a exame...), os tribunais deveriam abster-se de intervir. De outro modo, ainda acabarão a decidir se um aluno com menos de 10 deve ser reprovado e se não é inconstitucional limitar o acesso às Universidades com a regra do "numeus clausus".
É o caso das também já aqui faladas providências cautelares que, dando razão aos reclamantes, determinaram que as aulas de substituição (em que um professor disponível na escola é chamado a substituir outro que faltou ao serviço), só podem ser impostas se forem pagas como trabalho extraordinário. Independentemente de estas sentenças contrariarem, de forma até chocante, o interesse público óbvio e evidente, elas intrometem-se directamente nas regras de funcionamento interno e da organização de trabalho que, aplicadas a todo o sector público e também privado, teriam como resultado infalível a paralisia ou a bancarrota do país. E porquê, em nome de quê? Porque três ou quatro juízes, na solidão dos seus gabinetes, se acham mais qualificados para decidirem como deve ser feita a gestão das escolas e dos professores?
(...)
Há um provérbio moçambicano que diz: "A palavra do chefe não passa além do rio". Sugiro que os nossos juízes meditem nele.»
Miguel Sousa Tavares
Expresso-24.4
crisdovale
(...) Primeiro, temos essa moda recente do uso e abuso das providências cautelares, a propósito de tudo e mais alguma coisa.
(...) Poderá argumentar-se que isso é um direito que assiste a todos e que cabe depois aos tribunais avaliar a falta de fundamento das pretensões e condenar em custas os litigantes de arribação. Mas o que se tem visto, ao invés, é que em numerosos casos os tribunais dão provimento às providências, desse modo bloqueando as leis ou regras administrativas que o Governo pretende implementar. Ao fazê-lo, em muitos casos, eles já não estão a julgar a legalidade de determinada situação face ao regime jurídico definido pelo Governo, no uso das suas competências próprias: estão antes a julgar da bondade politica das próprias medidas do Governo, escudando-se para tal apenas na opinião pessoal de cada juiz, remetendo para a interpretação de uma Constituição que serve para tudo e mais alguma coisa. O efeito prático que daqui resulta é que determinadas politicas do Governo em funções, algumas das quais revestindo carácter de urgência, podem ficar obstruídas ou adiadas indefenidamente, à espera que um tribunal resolva em definitivo se concorda ou não concorda com a politica do Governo.
Ora, seguramente que não cabe aos tribunais avaliar o mérito das políticas governamentais.
(...)
Noutro domínio, várias decisões judiciais recentes vieram invadir zonas de autonomia alheias, pretendendo, de forma absurda e imponderada, uniformizar juridicamente coisas que são diferentes, sempre à luz de uma interpretação literal e fundamentalista de uma infeliz Constituição que, usada dessa forma, pode tornar tudo ingovernável.
É o caso das já faladas decisões admitindo a nova época de exames a alunos que as regras do ME tinham excluído. Não está em causa saber se as regras são ou não justas e boas: está em causa que, não ofendendo elas direitos fundamentais (ninguém é excluído do ensino ou proibido de ir a exame...), os tribunais deveriam abster-se de intervir. De outro modo, ainda acabarão a decidir se um aluno com menos de 10 deve ser reprovado e se não é inconstitucional limitar o acesso às Universidades com a regra do "numeus clausus".
É o caso das também já aqui faladas providências cautelares que, dando razão aos reclamantes, determinaram que as aulas de substituição (em que um professor disponível na escola é chamado a substituir outro que faltou ao serviço), só podem ser impostas se forem pagas como trabalho extraordinário. Independentemente de estas sentenças contrariarem, de forma até chocante, o interesse público óbvio e evidente, elas intrometem-se directamente nas regras de funcionamento interno e da organização de trabalho que, aplicadas a todo o sector público e também privado, teriam como resultado infalível a paralisia ou a bancarrota do país. E porquê, em nome de quê? Porque três ou quatro juízes, na solidão dos seus gabinetes, se acham mais qualificados para decidirem como deve ser feita a gestão das escolas e dos professores?
(...)
Há um provérbio moçambicano que diz: "A palavra do chefe não passa além do rio". Sugiro que os nossos juízes meditem nele.»
Miguel Sousa Tavares
Expresso-24.4
crisdovale
7 Comments:
Brilhante artigo. Um alerta sobre uma das mais graves distorções ao regular funcionamento das instituições que poucos vão notando da maneira que se justificaria.
Uma boa parte dos juízes de primeira instância não apresenta idoneidade tecnica, mental, psicológoca e ética para o desempenho da sua função.
Porquê? As faculdades de Direito e o CeJ que meditem. Isto é uma das grandes chagas da sociedade portuguesa.
jmn
sobre isto leiam também no DN de 2 de Julho de 2006
http://dn.sapo.pt/2006/07/02/tema/providencias_cautelares_politizam_tr.html
«Interpor providências cautelares para impugnar decisões do Governo e das autarquias está a tornar-se moda. Estão a invadir os tribunais, diz o presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), havendo o sério risco de se estar a violar o princípio da separação de poderes, avisa o constitucionalista Paulo Rangel, e o perigo de se politizar a justiça, alerta a jurista Adelaide Menezes Leitão.
(...)
A queixa é do presidente do STA. "Em nome da plenitude da tutela, torna-se necessário refrear", afirma Santos Serra. E avisa: "Importa resistir, com determinação, ao impulso de trivialização deste tipo de processos." Quanto ao perigo de os juízes poderem "favorecer de forma desproporcionada e injustificada" os requerentes de providências cautelares administrativas, Santos Serra adverte: "Nada se deve substituir ao bom senso e à ponderação, exigindo-se a autocontenção dos juízes mais voluntariosos, sempre sujeitos ao risco de precipitação na consideração dos vários interesses em conflito.»
(Licínio Lima in DN-2.7 .06)
Essa peara de juízes - filhos de um ensino e de codigos justicialistas - ensaiam um voluntarismo interventivo dramático, até porque (in)sustentado em mediocridade tecnica. E o Conselho Superior da Magistratura , onde anda essa entidade paquidermica?
juízes pouco estruturados. Expoentes da geração rasca na magistratura. Uma das mais graves crises de que o país padece...
Quando os juízes, "os juízinhos" de pacotilha, que enxameiam sobretudo as primeiras instâncias contaminam a classe, por preponderarem, perde-se o respeito antigo, que quase fazia parte da função. Lamentável. Por esta vez MST tem absoluta razão.
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