24.9.04

EVASIVAS IRRISÓRIAS

“Vejo em baixo o jardim arrasado. Quando cheguei eu disse-me vou arranjá-lo de novo. Criar nos canteiros lilases e rosas. Armar uma grade para as trepadeiras. Criar árvores novas. Recompor a vida por sobre as ruínas. Mas nada ainda fiz.”

Vergílio Ferreira, “Cartas a Sandra”



Portugal padece de uma maleita de há muito, que é a falta de brio. São inúmeras as análises já feitas e as explicações aventadas. As soluções escorrem e os desalentos perduram. O mal português é, contudo, e somente um mal dos portugueses. Não se deve falar disto, para não se ser acusado de crime de lesa-pátria e apontado como velho do restelo, pelas sublevações em defesa de um sentimento de sebastianismo renovado.

É bom ser português. Comece-se antes assim.

E a isto junte-se que há perfeita noção da falácia das generalizações precipitadas. E, agora, sim, talvez se possa voltar a tentar iniciar o discurso da cauda da Europa. Portugal é um país que vive, de casa à escola, da arraia-miúda à graúda, num permanente estado de falta de brio.

Que é diferente de preguiça.

Que é diferente de corrupção.

Que é diferente de falta de auto-estima.

É o despotismo do funcionário medíocre quando tem uma nesga de poder.

É o deixa andar.

É a ausência de cultura cívica.

É o apresentar-se como “dr qualquer coisa”, os arreios desfazados da ocasião, os bués e fixes e outros linguajares de sintaxe duvidosa.

Em Portugal, há laivos de ecce homo que, como laivos que são, fazem notícia até à exaustão.

Quando se tenta fazer política, depara-se com esta resistência que é a falta de brio, esse misto de incompetência e falta de vergonha.

Essa doença que produz as iliteracias eruditas da chamada escrita light, que em português significa “livros para quem não gosta de ler”.

Produz, também, os pensadores de esquerda revolucionária, os cristãos-novos chocarreiros que afirmam como suas as causas da cultura, da ciência e do ambiente.
É, ainda, a responsável pela existência de ficções de pessoas com categoria, que se amontoam em páginas de revistas cor-de-rosa, versão paupérrima da Alegoria da Caverna.


Portugal, hoje, é o mesmo de Eça, “uma versão em calão do que se faz em Paris.”


Avalon

1 Comments:

At 10:01 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Where did you find it? Interesting read »

 

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