28.10.04

I HAVE A RENDEZ VOUS WITH DEATH

“(…) he went to his fate cool, poised, resolute, matter-of-fact, debonair.”

W. Churchill (Great Contemporaries)

“(…) For the chosen few…there is no disillusionment. They march on into life with a boyish grace, and their high noon keeps all the freshness of the morning. Certainly to his cradle the good fairies brought every dower. They gave him great beauty of person; the gift of winning speech; a mind that mastered readily whatever it cared to master; poetry and the love of all beautiful things; a magic to draw friends to him; a heart as tender as it was brave. Only one gift was withheld from him – length of years.”

John Buchan (Pilgrim`s Way)


Há dias, J. Pacheco Pereira (Abrupto, 6.10), a propósito das “Novas Fronteiras”e das bernardices do PS, aproveitou para em três penadas passar um risco sobre JFK:

“(…) Dizer que Kennedy é de esquerda é bizarro. Kennedy, o amigo da Máfia, o invasor da Baía dos Porcos, do “Berliner” encaixa mal, já L. Johnson, por estranho que pareça, encaixa melhor.”

Ora, bizarra é também a explicação de JPP. Porque as penadas que afia nada têm a ver com a questão “esquerda/direita” e porque, de tão desataviadas, mesmo para versão flash, obscurecem as coisas da história.

Da primeira penada:
Apesar de uns tratos eleitorais obscuros com elementos da máfia de Chicago, arregimentados pelo mayor Daley (de resto quase triviais na história eleitoral dos EUA, e bastante inferiores em quantidade e qualidade ao do seu oponente RMN), e não esquecendo a turva operação Mongoose, o que é um facto histórico é que a Administração Kennedy, em particular o seu attorney – general, RFK, deu à máfia uma caça impiedosa, sem paralelo até à década de sessenta, a ponto de a quase totalidade dos historiadores e investigadores do assassínio do Presidente defenderem, alguns, a iniciativa e, praticamente todos, a intervenção do crime organizado na preparação e concretização do atentado de Dallas.

Da segunda:
A desastrosa invasão da Baía dos Porcos, concebida, desenvolvida e colocada perto do “point of no return” pela Administração Eisenhower, e um dos maiores fracassos da história da CIA (os insuspeitos Allen Dulles - “ A gentleman spy” de P. Grose – e Richard Helms – “ A look over my shoulder” - contam a história), foi herdada por Kennedy em condições operacionais e políticas tais que, na perspectiva da liderança dos Estados Unidos e no contexto daquela época, quase anulavam outras opções.
Cometido o erro, e evitando outro, maior, ao não ceder às dramáticas pressões das Forças Armadas e da CIA, no sentido de, avistado o fracasso, envolver as tropas americanas num ataque formal, a atitude de JFK foi no final a de proibir categoricamente quaisquer referências à Administração anterior e reivindicar para si, e só para si, a responsabilidade e a humilhação pela invasão da Baía dos Porcos.

E da terceira:
No combate ao império soviético, depois de Churchill e antes do Papa João Paulo II, Lech Walesa e Ronald Reagan, houve, nas décadas que ficaram pelo meio, muitos outros lutadores pela liberdade que, com clarividência e convicção, estiveram na linha da frente.
Um deles, em 26 de Junho de 1963, na Rudolph Wilde Platz, em Berlim, na presença do mayor Willy Brandt e perante mais de um milhão de alemães disse esta coisa tão simples que há - de durar pelo tempo fora:
“(…) Todos os homens livres onde quer que vivam, são cidadãos de Berlim e , por isso, como homem livre, tenho muito orgulho nas palavras Ich bin ein berliner.”

Parece assim frouxo o ferrete das penadas. Muito frouxo até, para o gabarito do autor.
O ânimo delas, das duas últimas, parece ter, em flash-back, nostálgicos resquícios de esfarrapadas lutas contra o imperialismo yankee, que tantos vieram mais tarde a superar, alguns de forma brilhante.

É que JPPereira podia, mesmo em versão flash, ter escolhido outros aspectos da história, lembrando o Peace Corps, a Aliança para o Progresso, o desafio espacial, a luta contra a pobreza, a luta, com Luther King, contra a descriminação racial (depois prosseguida pela Great Society do seu “encaixa melhor” LBJ, de que se fará menção noutro lugar), a não sujeição aos magnates do petróleo e ao complexo industrial/militar , a juventude e energia de um “alpha male”, a revitalização do idealismo americano, a “grace under pressure” de que falava Hemingway, ou dessa marca distintiva dos políticos que não se deixam morrer interiormente e têm a rara capacidade de viver com a responsabilidade e com o perigo.

Também, é certo, podia ter falado nas incontáveis aventuras, algumas de risco, com a namorada de um chefe da máfia, com uma possível espia da Alemanha de Leste, com uma estrela de cinema que pouco depois se suicidou em obscuras circunstâncias, ou nas doenças e dores de que padecia e que ferozmente escondeu do povo americano.

Era, em todo o caso, indiferente.

Por aí, continuava a não chegar, nem ao perto, às razões por que, há quatro décadas várias gerações nos vários continentes sentem JFK como uma pertença íntima e reivindicam o seu código de esperanças e atitudes.

Apresentando ao julgamento da História apenas mil dias, de claridade e enigmas, é claro que a essência da lenda Kennedy é, sobretudo, aquilo que Kennedy poderia ter sido.
E o assassínio é também um ingrediente do mito. Mas não chega como explicação da magia.
Lincoln e Kennedy, atravessam os tempos e o tempo, mas quem sabe quem foram James Garfield ou William McKinley e, sabendo alguns quem foram Anwar el Sadate, Indira Ghandi e Olof Palme, quem se lembra de projectar ideais e sonhos na memória e nostalgia que despertam?

Para chegar a essas razões tinha de rememorar, com Eliade, que o mito é que fala verdade. Porque dá à História um sentido mais profundo e mais rico, e revela um destino trágico.
E, com Norman Mailer e Richard Mahoney (vd. Nostalgia – 20.9), porque é que os deuses, com o saber que eles têm, quiseram dar a JFK esse destino.


brunoventana