7.10.04

TAMBÉM O SIS...

Excerto de artigo de opinião de Miguel Sousa Tavares publicado no passado dia 24 de Setembro


"Confesso que ultimamente o "Diário de Notícias" anda muito arredado das minhas leituras diárias. Abro, por exemplo, a edição de anteontem na página 9, e ela é inteiramente constituída por três colunas de opinião de três propagandistas do Governo. É um bocado demais para a minha capacidade digestiva.

Agora, com Henrique Granadeiro saneado politicamente e todo o grupo Lusomundo entregue a Luís Delgado, temo que a tendência seja para se reviverem os tempos - ideologicamente opostos, mas deontologicamente semelhantes - em que o "Diário de Notícias" era dirigido por Augusto de Castro ou pela dupla Luís de Barros/José Saramago. Desgraçada vocação!

Mas volto à página 9 da edição de anteontem. Chamou-me a atenção um artigo intitulado "Quem comenta os comentadores?". O artigo era assinado por José Bacelar Gouveia, "professor universitário" e, pelos vistos, também ele comentador habitual, visto que a coluna onde escreve até tem nome próprio: "A torto e a direito". Ora, foi isto mesmo que me chamou a atenção: sempre me divertiram os colunistas/comentadores que se insurgem contra o poder dos... colunistas/comentadores. A experiência diz-me que se trata, fundamentalmente, de manifestações de dor de cotovelo: é a inveja dos normalmente ignorados perante a audiência concedida aos outros.

Neste caso concreto, o despeito do professor Jorge Bacelar Gouveia virava-se contra o professor Marcelo Rebelo de Sousa e os seus comentários na TVI. Dizia ele que "é um mau hábito da nossa opinião pública render-se, acriticamente, a tais comentadores, que muitas vezes verberam tudo e nada, apenas com o confessado desejo de cumprir o seu papel, ganhar o seu dinheiro e satisfazer a sua vaidade pessoal".

Logo por aqui se depreende que o professor Bacelar Gouveia não tem o desejo de cumprir o seu papel, não satisfaz vaidade alguma e até deve escrever de graça (o que não abona muito do conceito em que o tem o jornal que o acolhe...).

Mas, mais importante ainda, é ele achar que "o comentário político tem de obedecer a algumas normas fundamentais", uma das quais "é a isenção dos comentadores, que só podem emitir um juízo seguro se surgirem desprendidos dos interesses ou das questões que pretendem apreciar". Esta, subscrevo-a eu próprio.

O problema é perceber o conceito de isenção do professor Bacelar Gouveia. Segundo ele, Marcelo Rebelo de Sousa não o terá - embora não se incomode a concretizar porquê. Já o próprio, presume-se que será pessoa isenta, de outro modo não seria colunista do "Diário de Notícias".

Mas o engraçado da história é que o leitor atento, que tivesse fixado, duas páginas atrás, a mesma edição do "DN", daria com nova fotografia do professor Bacelar Gouveia - o mesmíssimo comentador de duas páginas adiante - ilustrando a notícia de que o comentador isento acaba de ser nomeado, por indicação do PSD, presidente do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República, sendo descrito pelo próprio "DN" como "professor associado de direito da Universidade Nova de Lisboa, que já foi membro do conselho de jurisdição do PSD e é, de há muito, politicamente próximo de Santana Lopes".

Bem prega, o professor Gouveia! Cuide-se, meu caro Marcelo, que agora os Serviços de Informação da República têm a supervisioná-los um santanista isento, que o acha, a si, suspeito."