Chegou o Presidente
«A cerimónia é o poder. Anteontem, a cerimónia exibiu e estabeleceu o poder. Tudo se passou como se Cavaco Silva já fosse o Presidente. Saiu de casa popular e humilde, no meio de um pequeno ajuntamente amigável. Acompanhado pelo seu primeiro ajudante-de-campo, almoçou numa sala solene e vazia, com o mandatário nacional e o mandatário da juventude, ou seja, face a face com os representantes do povo soberano.
Entrou, com escolta, no Centro Cultural de Belém, o seu monumento.
Precisamente à hora marcada, sózinho, sem um político à vista, falou ao país.
Depois, condescendente, respondeu, pela pura forma, a algumas perguntas que as televisões lhe fizeram.
E voltou para casa, cercado por um cordão de guarda-costas, que abriam entre ele e a multidão a devida distância.
Do princípio ao fim, nao houve um sinal de candidatura, houve um exercício de investidura.
Um exercício tão impressionante que, tirando Soares (que escapou por acaso ou instinto), os outros candidatos aceitaram inconscientemente o vexame de se pronunciar, em pessoa e em publico, sobre as declarações do príncipe; e mesmo Soares permitiu em seu nome um comentário inepto, intinidado e reverente.
A campanha não vai ser uma campanha, vai ser, como compete, uma progressão triunfal.
No discurso, Cavaco também disse o que diria um Presidente.
Antes de mais que era movido por "um imperativo de consciência", pelo estado da nação e pelo seu direito natural a emendar o presente e a salvar o futuro.
A seguir, que estava acima de considerações de partido ou de interesse, ambição ou vaidade. E, por último, como é óbvio, que tencionava respeitar a lei.
Cavaco não se candidata contra ninguèm, no fundo nem se candidata, cumpre o seu dever.
Eleitoralmente, e porque não se aboliu essa formalidade, Cavaco encostou a esquerda à parede e usurpou o estatuto que teoricamente caberia a Soares.
Quem o achava um amador, rodeado por amadores, levou uma lição de profissionalismo e de agilidade táctica.
Agora ele não precisa de provar que o país lhe deve dar a presidência.
Jerónimo, Louçã, Alegre e Soares, quando pararem de se roer e agredir, é que precisam de provar que o país não lhe deve dar a presidência. Esse quarteto de facciosismo e hostilidade mútua caiu redondamente na oposição, ainda por cima numa oposição pouco saborosa e pouco admirável.
E não tem para onde ir.
Chegou o Presidente.»
Vasco Pulido Valente -
publico-22.10crisdovale