"Aquele que não quer passar depois de ter passado, ainda ouvirá palmas, mas já não são palmas, são despedidas e não despedidas com saudades mas com ironias.Manuel Rodrigues1938Logo na largada se percebeu.
Depois, por cada intervenção, por cada “novo apoiante, por cada truque protector da tsf ou quejanda, a percepção de que o enredo era lastimável tornou-se imparável.
Helena Matos, a este propósito, assina o melhor e o mais fundo texto que até agora o tema suscitou.
Com o título “
O homem que passou” (publico-24.9)“O homem que passou é aquele que desempenhou a sua missão, que a desempenhou bem ou mal, não importa, e já não pode desempenhar outra nem prosseguir a que assumira. Se é orador, a sua palavra jamais será escutada; (...) se é politico, as multidões não lhe obedecerão; e nunca mais o seu braço será procurado, nem o seu conselho pedido (...).
“ O homem que passou é o homem que já não conta, o homem com quem o tempo não conta por lhe faltar a chama interior do entusiasmo ou o favor da opinião, estas duas energias sem as quais não é possível realizar uma obra ou prosseguir um destino. (...) O que até então fora louvado será diminuído, o que fez de bom será atribuído aos outros, e se lhe mantêm a autoria logo desviam o objectivo; e onde houve o propósito de fazer por bem, logo dirão que fez por mal, onde houve o maior desinteresse, logo lhe assinalarão o maior proveito.
“O homem que passou é como o ano que passa. No momento mesmo em que corta a meta da eternidade, o ano que passou é mal querido e insultado. Começam a insultá-lo aqueles a que não serviu, ainda que não tenha servido com razão; depois os indiferentes; e, atraídos pelo clamor, até aqueles mesmo a que encheu de benemerências.(...) Aquele que não quer passar depois de ter passado, ainda ouvirá palmas, mas já não são palmas, são despedidas e não despedidas com saudades mas com ironias. As palmas são para o tempo, para que seja contente e caminhe mais rápido, para que mais depressa o leve.”
Este texto não foi escrito em 2005. (...) Tem quase sete décadas. Foi publicado no último dia do ano de 1938 na primeira página do jornal
O Século. Tendo em conta o tema e as funções do seu autor –
Manuel Rodrigues, então ministro da Justiça – imediatamente surgiram boatos e rumores sobre a identidade do “homem que passou”.
(...)
Desta conjuntura entre a perenidade dos nossos vícios políticos e a intrínseca actualidade de um bom texto resulta que um texto redigido em 1938 sobre Salazar se aplica notavelmente em 2005 á candidatura de Mário Soares.
Está lá tudo. As constatações da debandada (...) Está lá também o retrato cruel mas lúcido do drama pessoal do “homem que passou”(...) E sobretudo está lá esse pudor constrangido de quem assiste a esta decadência: “...ainda ouvirá palmas, mas já são palmas, são despedidas e não despedidas com saudades mas com ironias”.
À medida que na manhã de sexta-feira percebia o teor das declarações que Mário Soares fizera na véspera no Brasil... esta frase...tornava-se-me cada vez mais presente. Quase obsessiva!
Deixemo-nos de tretas: independentemente de serem ou não apoiantes de Soares quantos portugueses prefeririam que não tivesse respondido “Fisicamente tenho boas artérias, tenho a próstata em bom estado e não tenho diabetes, portanto tenho uma vida normal”, quando interrogado sobre a influência que a sua idade podia ter nos resultados...?
Nos sorrisos que estas declarações geraram havia mais embaraço que alegria....
“Mário Soares reagiu com bom humor a uma pergunta...” – lê-se num texto que em que a agência Lusa deu conta de tais declarações. Durante quanto tempo mais as noticias sobre deslizes como este serão filtradas e devidamente introduzidas por expressões como “bom humor”?
Os péssimos resultados das sondagens e o caso Alegre são os primeiros sinais do drama. Não tarda que “sugestionados pelo clamor, até aqueles mesmo a que encheu de benemerências” comecem a desertar. Sairão discretamente de cena. Para que uns não lhes dêem pela falta e outros não se apercebam da sua presença. Mas convém que se lhes fixe o nome e o rosto. Em primeiro lugar porque são responsáveis pela promoção de uma candidatura que representa uma perversão da democracia...
Em segundo lugar, fixemos-lhes os nomes porque eles são responsáveis pelo aviltamento pessoal em que esta campanha se arrisca transformar para Mário Soares. É certo que ele se quis ser candidato. É certo que como “o homem que passou”... também foi eliminando as possibilidades de renovação do seu campo político. Mas nada disto seria suficiente para que Soares avançasse.
Agora é tarde. Como lidar com isto? – esta é uma pergunta que não diz apenas respeito aos seus apoiantes. Por amarga ironia, está progressivamente a deixar de ser um candidato a apoiar ou um adversário a combater. Independentemente dos resultados que vier a obter, Mário Soares é o problema desta campanha presidencial. E isso é muito triste.”
cristóvão do vale